quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Uma longa viagem sobre trilhos no Expresso do Oriente


Natália Zonta (A Gazeta)


Istambul ainda era Constantinopla e Agatha Christie (1890-1976) nem havia nascido. Há 125 anos, em 4 de outubro de 1883, partiam da estação Gare de l’Est, em Paris, os vagões do Expresso do Oriente. Pela primeira vez, turistas corajosos – e muito ricos – cruzavam a Europa rumo à porta de entrada da Ásia. Era o começo da história do lendário trem que inspirou tantos escritores. 

O detetive Hercule Poirot não teria como estar na viagem inaugural do Venice Simplon, outro nome pelo qual o trem era conhecido. Mas se fizesse parte da lista dos passageiros, o personagem mais excêntrico da rainha do crime fatalmente reclamaria do trajeto. A princípio, o percurso não era todo feito sobre trilhos. Como seria possível investigar um assassinato com tanto entra-e-sai dos vagões?

Vagões 
Na época, a composição partia de Paris e seguia para Estrasburgo, Munique, Viena, Budapeste e Bucareste. Em Girgiu, na Romênia, os passageiros pegavam um barco e navegavam pelo Danúbio até Ruse, na Bulgária, onde havia um novo trem para Varna. De lá, finalmente, um ferry seguia para Istambul. 

Com o tempo, a jornada pela Europa tornou-se menos tumultuada. Mas o número de pomposos vagões permaneceu sempre o mesmo, 17, para 148 passageiros. Espaço de sobra para inspirar Agatha Christie a escrever o best-seller "Assassinato no Expresso do Oriente" (1934).

A autora conheceu o trem em sua fase áurea. Os vagões já chegavam à Estação Sirkeci, em Istambul, por um trajeto feito só sobre trilhos e eram sinônimo de luxo – até a realeza fazia questão de conhecê-los. Ninguém poderia imaginar que, em 1977, guerras e crises políticas obrigariam o Expresso do Oriente a parar.

O Venice Simplon só saiu do limbo em 1982, graças ao magnata da hotelaria James B. Sherwood. Anos antes, ele comprou o trem e investiu 11 milhões de libras na restauração. Desde então, os vagões percorrem o lendário roteiro Paris-Istambul uma vez por ano, sempre em agosto.

O público-alvo do Expresso do Oriente continua o mesmo: gente disposta a pagar uma pequena fortuna por uma viagem memorável. O pacote de seis noites custa US$ 9 mil e o valor inclui refeições (sem bebidas alcoólicas) e passeios em todas as paradas. A fila de espera para conseguir uma vaga é grande. Segundo a empresa Orient Express Hotel, recomenda-se comprar o pacote com até um ano e meio de antecedência.

"Os brasileiros ainda não procuram muito esse trajeto porque acham difícil se adaptar ao esquema da viagem", diz Tiago Pablo Schmidt, consultor de reservas da empresa. O motivo, segundo ele, é o hábito nacional de tomar dois banhos ao dia. Poucos sabem, mas não há chuveiro no Expresso do Oriente, somente lavabos. "O trem é tombado por um instituto de preservação que não autoriza nenhuma modificação na estrutura dos vagões", explica.

Para evitar odores e desconforto, a cada 24 horas o trem pára, os passageiros descem e se hospedam num hotel – as diárias estão incluídas no pacote. Além da merecida ducha, há opções de passeios. 

A viagem tem outras peculiaridades, como a exigência de traje formal. Tênis e camiseta são vetados nas dependências do trem. O percurso também foi alterado e agora só passa por Budapeste, Bucareste e Sinai.

No restante do ano, a composição não fica parada. Todos os meses o trem faz o percurso de uma noite entre Paris e Veneza, a US$ 2.600. 

Vá lá 
Orient-Express Hotels
Trains Cruises:0800-774- 8448 

domingo, 16 de novembro de 2008

Ah! E o Velho Chico segue o seu percurso... Penedo

Pôr-do-sol em Penedo - AL

 (A Gazeta)

Adriana Moreira 
O sertanejo não trata o Rio São Francisco como um simples acidente geográfico. O mais famoso curso dágua do Nordeste é um integrante da família, um amigo próximo. Essa intimidade, porém, não impediu que o Velho Chico sofresse as conseqüências da ação humana: o leito assoreado prejudicou a navegabilidade, tão importante em outros tempos. 

Entre os grandes barcos que circulam por ali, o Benjamin Guimarães é o mais carismático. Sua história de prestígio e abandono se confunde com a do próprio rio. O Gaiola, como ficou conhecido, chegou ao país na década de 1920, vindo diretamente do Rio Mississippi, nos Estados Unidos.

Seresta 
Quando foi aposentado, por volta de 1980, estava decadente. Mas esse período difícil teve fim após a restauração, que deixou o barco em condições de voltar ao rio em 2004. No ano passado, o Benjamim começou a realizar viagens de cinco noites no Velho Chico. O percurso revela experiências valiosas, como a seresta, a Dança de São Gonçalo ou um simples bate-papo com os moradores. 

Apenas 28 pessoas podem fazer o trajeto nas cabines duplas. O barco ainda funciona com o maquinário original, sem motor, alimentado por uma fornalha. A diferença é que, hoje, a madeira utilizada vem de áreas de reflorestamento. As mudanças no leito do rio forçaram uma alteração no itinerário do antigo vapor. O trajeto, que já seguiu até Juazeiro (BA), hoje percorre 169 quilômetros entre Pirapora e São Romão (MG). Um trecho minúsculo, comparado aos 2.700 quilômetros de extensão do rio.

Quem vai até a nascente, na Serra da Canastra, tem uma surpresa. Não há uma fonte d’água, como se poderia imaginar. O São Francisco brota da terra, formando uma poça enlameada. Se não fosse uma placa, ninguém notaria a nascente.

A histórica Penedo 
Cenário bem diferente do encontrado na região da foz. Em Canindé do São Francisco, na divisa entre Sergipe, Alagoas e Bahia, os passeios de lancha e catamarã pelo cânion formado há 65 milhões de anos fazem sucesso. Ainda mais perto do mar está a alagoana Penedo. Há registros que a pequena vila foi ocupada por franceses já em 1534. Hoje, o que se vê no local é um belo conjunto arquitetônico, datado dos séculos XVII e XIX, que lhe rendeu o apelido de "Ouro Preto Nordestina". Boa parte das construções históricas está em recuperação. Um transtorno momentâneo que deixará ainda mais bonitas as ruas da cidade e vai custar R$ 11 milhões - a maior parte proveniente do Projeto Monumenta, parceria do Ministério da Cultura, do BID e da Unesco.